30.11.06

Juventude em marcha

Isto foi o mais próximo que este filme me chegou até agora:


é lindo, e é triste, e é escuro, claro,
é lento como o quarto da Vanda,
dá menos ainda pra perceber onde começa a ficção
e onde está a fissura que faz se abismar o real

é de uma imensa cumplicidade entre o realizador
e os actantes

de resto, não conto
é melhor ver mesmo

saudades de todos, e desse forumdoc
que me rasga o coração de estar longe.

grande abraço,
do amigo inteiro

ribas

p.s.: e isto, e também isto.

25.11.06

O sonho é o único direito que não se pode proibir. A Estética da Fome era a medida da minha compreensão racional da pobreza em 1965. Hoje recuso falar em qualquer estética. A plena vivência não pode se sujeitar a conceitos filosóficos. Arte revolucionária deve ser uma magia capaz de enfeitiçar o homem a tal ponto que ele não mais suporte viver nessa realidade absurda.

Então é o seguinte: eu vou continuar fluxo.
Glauber Rocha

18.11.06

17.11.06

Nobuhiro Suwa

1/ um texto sobre Pedro Costa:
«Nunca pensei que a câmara pudesse estabelecer uma relação de não-exploração com as pessoas que filma – isso parece inatingível» (...)

2/ uma conversa com André Dias:
«O que são os outros? É isso que é importante para mim, não a realidade» (...)

14.11.06


Sexta, 17 - 18:30h.

Serras da desordem
Brasil, 35mm/vídeo digital, cor/p&b, 135 min., 2005

Direção: Andrea Tonacci
Fotografia: Aloysio Raulino, Alziro Barbosa e Fernando Coster
Montagem: Cristina Amaral
Som: Valéria Martins Ferro e René Brasil

Carapirú é um índio nômade, que após ter seu grupo familiar massacrado num ataque surpresa de fazendeiros, consegue escapar, e durante 10 anos perambula sozinho pelas serras do Brasil central, até ser capturado em Novembro de 1988 a 2000 quilômetros de distância do seu ponto de fuga/partida. Levado para Brasília pelo sertanista Sydney Possuelo, em uma semana torna-se manchete nacional e centro da polêmica criada por antropólogos e lingüistas quanto à sua origem e identidade. Carapirú tem grande dificuldade em movimentar-se e viver no ambiente urbano, mas, auxiliado por pessoas que cuidaram dele desde os primeiros dias após a sua captura no sertão da Bahia com Goiás, consegue passar do atemporal anonimato da selva à curiosa notoriedade nacional.

Sessão Comentada por Aloysio Raulino e Cristina Amaral

Sábado, 18 - 17:00h.

Videograms of a Revolution
Romênia, dvd, cor, 107min, 1992

Direção: Harun Farocki & Andrej Ujica
Montagem: Egon Bunne

Por dez dias, em 1989, uma revolta na Romênia derrubou o governo e executou seu líder, Nicolai Ceaucescu. Os manifestantes ocuparam o canal de TV e fizeram transmissões ininterruptas por 120 horas. O filme é uma condensação das 125 horas de material em vídeo documentando a cronologia daqueles eventos extraordinários.

Sábado, 18 - 19:00h.

News from home
Bélgica/França, 16mm, cor, 89 min., 1976

Direção: Chantal Akerman
Fotografia: Babette Mangolte
Montagem: Francine Sandberg
Som: Dominique Dalmasso

Uma mãe escreve à sua filha que partiu para as Américas... As cartas de mãe, as cartas mais simples, as cartas de amor. Carícias impossíveis chegam do velho mundo. Uma voz menor vinda da Europa tenta ainda se fazer entender... de Nova York. Vozes distantes que se querem próximas...

Domingo, 19 - 17:00h. (partes 1, 2 e 3) e 20:00h. (partes 4 e 5)

Spiritual Voices / Dukhovnyye golosa

Rússia, dvd, cor, 340 min, 1994

Direção: Alexander Sokurov
Fotografia: Aleksandr Burov e Aleksei Fyodorov
Montagem: Leda Semyonova
Som: Sergei Moshkov

Em 1994, o cineasta Alexander Sokurov viajou à fronteira de Tadjiquistão e Afeganistão, para realizar um filme sobre os soldados russos lá posicionados. Infiltrado nas tropas durante meses, Sokurov trouxe à tona uma perspectiva única da condição humana neste ambiente subjugante. Spiritual Voices tira seu ritmo da tensão da batalha; sua atmosfera, do sol sem misericórdia; e seu tom, das perigosas patrulhas pelos campos minados nas montanhas.

forumdoc.bh.2006

ein film ist ein film ist ein film ist...
... (e isto e isto)

9.11.06

Les yeux (ou)verts



« Esse espectador, acho que é preciso abandoná-lo a si mesmo; se tiver de mudar, mudará, como todo mundo, súbita ou lentamente, a partir de uma frase ouvida na rua, de um amor, de uma leitura, de um encontro, mas sozinho. Num enfrentamento solitário com a mudança. »

Marguerite Duras

O copista

É sabido que antes da invenção dos tipos móveis por Gutemberg, os textos eram transmitidos, conservados e metamorfoseados pelo lavor dos copistas — aqueles que se dedicavam cotidianamente ao ordinário ofício da escrita. Penso neles assim, como trabalhadores, talvez um pouco mais cultos do que a maioria de seus contemporâneos, mas sem nenhuma qualidade — são mesmo imperceptíveis —, embora certamente cientes da importância do seu trabalho. Mas e se os copistas, ou ao menos um copista tenha, em algum momento, alterado uma vírgula aqui; acrescentado um substantivo — um qualquer — ali; suprimido um adjetivo translúcido* acolá; mudado dois lugares de palavras — tendo, é claro, feito todas as correções que julgava necessárias, quem sabe? Quem sabe. E se. Começa a parecer o início de uma fábula:

— Hay escritores cuya obra no se parece a lo que sabemos de su destino; tal no es su caso, que padeció rigores y soledades que serían la arcilla de los símbolos de sus alegorías.

— Sou um homem de certa idade. A natureza de minha ocupação nos últimos trinta anos fez com que eu tivesse um contato pouco comum com certo grupo de homens aparentemente interessantes e um tanto diferentes, a respeito dos quais nada, que eu saiba, jamais foi escrito... Uma perda irreparável para a literatura... Refiro-me aos copistas ou escrivães.

— La noción de que el blanco puede ser un color terrible ya estaba en...

I would prefer not to.

— ... havia objeções que tinham sido esquecidas? Certamente que sim. A lógica é, na verdade, inabalável, mas ela não resiste a uma pessoa que quer viver.

Histoire avec s.

— Quando penso nesse boato, mal posso exprimir as minhas emoções. Cartas mortas! Não se parece com homens mortos?

— Le cinéma filme le travail de la mort.

On fait du cinéma à partir des images du cinéma.

— Pense num homem que, por natureza e infortúnio, era propenso ao desamparo; poderia haver um trabalho mais adequado para aguçar o seu desamparo do que lidar o tempo todo com cartas mortas, separando-as para jogá-las ao fogo? Pois elas são queimadas todos os anos, aos montes. Por vezes, entre os papéis dobrados, o funcionário lívido encontrava um anel — o dedo ao qual estava destinado talvez estivesse apodrecendo na sepultura —; algum dinheiro, enviado por caridade — aquele que teria sido ajudado talvez já não estivesse sentindo fome; um perdão para os que morreram em desespero; esperança para os que morreram sem nada esperar; notícias boas para os que morreram sufocados por calamidades insuportáveis. Com recados de vida, essas cartas aceleram a morte.

— Ne t'inquête pas. Nous sommes tous encore ici.

Copiado de — Borges — Melville — Kafka — Godard
— Daney (?) — Agamben — São Paulo.

* Embora o copista tenha achado por bem quase suprimi-la de seu texto, faço aqui um breve resgate etnomológico da palavra «translúcido»: transe e lucidez se misturam quando se deixa a luz passar sem que se permita ver os objetos do outro lado.

Montagem #02

... e este nosso abandono é apenas assim...

voz:
O Irreparável é o fotograma que a sua escrita imprime sobre as coisas.

outra voz:

Não me ocorre mais nada; vejo apenas um par de luvas abandonadas e aborrecidas na beira da mesa.

voz:
Irreparável significa que elas são entregues sem remédio ao seu ser-assim, que elas são, pois, precisamente e apenas o seu assim (nada é mais estranho a você do que a pretensão de ser diferente daquilo que se é);

outras vozes:

Para mim é evidente como estas luvas estão tristes e cansadas. Será que já não servem a ninguém, é por isso que estão para ali penduradas como as folhas no Outono? São amarelas, debruadas a pele castanha escura. Compridas e estreitas. Como ficam tristes as luvas quando não aconchegam uma mão bonita. Eis que chega uma rapariguinha, uma criança, quer experimentá-las mas não lhe servem: as suas mãozinhas são demasiado pequenas, os dedinhos demasiado curtos. Agora aproxima-se uma mulher robusta, mas a sua mão é muito gorda e os dedos muito grandes. Depois surge uma actriz e experimenta-as mas as luvas decididamente não servem. É demasiado elegante: ajustam-se no comprimento mas, quanto ao resto, a mão é demasiado voluptuosa. As luvas gemem pelas costuras. Chega então uma mulher alta, linda e com ar triste e a ela as luvas servem. Mãos compridas, mãos esguias, sofredoras, mãos esbeltas, as luvas servem-vos! As luvas alegres e radiantes mas a mulher, coitada, tão infeliz!

silêncio:

mas significa também que, para elas, não existe literalmente nenhum refúgio possível, que, no seu ser-assim, estão agora absolutamente expostas, absolutamente abandonadas.

voz: Giorgio Agamben, A comunidade que vem, (dublado por António Guerreiro);
outra voz: Robert Walser, As luvas, dublado (por Cristina Marti)
a partir da versão inglesa de Susan Bernofsky;

esta voz: Ghérasim Luca;
imagem: sapatos de Van Gogh sobre parede de Fort Breendonk.

7.11.06

Montagem #01

1/ operação material pela qual alguém aproxima dois elementos quaisquer;

2/ estes elementos podem ser, por exemplo, duas frases;

3/ ou duas imagens em movimento armazenadas num suporte como a película, a fita magnética, os dados digitais etc.;

4/ se estas imagens tiverem sido filmadas a 24 ou a 30 quadros por segundo — por uma câmera de cinema ou por uma câmera de vídeo, por exemplo — elas trarão consigo um extrato do tempo que passa («um corte-móvel na duração»);

5/ neste caso, teríamos então uma aproximação entre dois blocos de imagem-tempo;

6/ que, ao serem projetados em sequência — portanto, depois de terem sido montados —, produzirão um intervalo — um corte — entre eles;

7/ este corte — este intervalo —, precisamente por emergir entre blocos de imagem-tempo, é, antes de tudo: tempo;

8/ ... mesmo que essas velocidades por vezes sejam infinitas: o processo biológico do pensamento também opera por intervalos — sinapses — temporais —;

9/ o pensamento seria a experiência — a mais íntima expressão — desse processo vertiginoso;

10/ corte: — o plano como ferida no tempo, o filme como sua cicatrização?

11/ entre: — o cinema nos daria a ver o pensamento?

3.11.06

Brincadeiras

Gosto de brincar com esta palavra, como se brincasse com um quebra-cabeças, ou com uma moviola: Amarcord.

Monto e desmonto. Nela encontro:

amor;
amar;
acordar;
racord;
dor;
ar
mar;
cor;
dar.

Não sei se essa brincadeira funciona em italiano. Gosto de pensar que sim. É que penso no Fellini como alguém que gostava de brincar - não apenas com as palavras, mas com as imagens, com os sons. Não é isso aliás que faz de alguém um cineasta? E de uma brincadeira, um filme? Gosto de pensar que sim.

Enquanto penso nisso, brinco assim:

1.11.06

Histoire(s) du cinéma

apenas uma imagem:



« Portanto, somos tomados numa cadeia de imagens, cada um no seu lugar, cada um sendo ele mesmo imagem; mas também somos tomados numa trama de idéias, que agem como palavras de ordem. Por conseguinte, a ação de Godard, "imagens e sons", vai a um só tempo em duas direções. Por um lado, restituir às imagens exteriores seu pleno, fazer com que não percebam menos, fazer com que a percepção seja igual à imagem, devolver às imagens tudo o que elas têm; o que já é uma maneira de lutar contra tal ou qual poder e seus golpes. Por outro lado, desfazer a linguagem como tomada de poder, fazê-la gaguejar nas ondas sonoras, decompor todo conjunto de idéias que se pretendam idéias "justas" a fim de extrair daí "justo" idéias. Talvez haja duas razões, entre outras, pelas quais Godard faz um uso tão novo do plano fixo. É um pouco como certos músicos atuais: eles instauram um plano fixo sonoro graças ao qual tudo será ouvido na música. E quando Godard introduz na tela um quadro negro sobre o qual escreve, não faz dele um objeto de filmagem, ele faz do quadro negro e da escrita um novo meio televisivo, como que uma substância de expressão que tem sua própria corrente, em relação a outras correntes presentes na tela. »

Gilles Deleuze, Três questões sobre seis vezes dois.

uma comunidade menor

O vento está prestes a encontrar-se com as folhas das árvores.
Paradas ali, duas pessoas aguardam o movimento.



— Fazer um festival não é fazer um filme.

— Certamente mobiliza outros esforços, outros afetos...

— Mas todos numa mesma direção. Os filmes são feitos para nos mostrar o mundo. Os festivais, para nos mostrar os filmes.

— É tudo cinema!

— O que chamamos, nós, de cinema?

— Tomado ao pé da letra é uma imagem do mundo em que vivemos. Se eu te mostro o ABC da greve, por exemplo, você diz: é o Lula.

— Então tomemos o cinema ao pé da letra e digamos: as pessoas dormem de noite; o cinema é o único lugar em que se dorme de olhos abertos, no escuro.

— Então o cinema é o sonho.

— Mas não um sonho particular, menos ainda um sonho privado. Há aí algo de coletivo.

— A tal ponto que quem entra junto no cinema é tocado por esse estranho poder de fazer o mundo dormir.

— Para nele estar ainda mais acordado.

— É esta, pois, a função de um festival: fazer com que os filmes adormeçam o mundo.

— Mas não sejamos tão rápidos. Não falo apenas de uma reunião de filmes, mas de uma comunhão de desejos.

— E então do fato de que não é um festival feito por mera simpatia política ou estética, mas o resultado de longas (quase intermináveis) discussões políticas e estéticas.

— Precisamente o que falta à televisão, não te parece?

— É possível ainda que nela não falte nada... Mas, ao contrário, haja mesmo um excesso. Excesso de profissionalismo, triste até, que priva aqueles que a realizam de seus desejos.

— O que quero dizer é isso: há imagens, há filmes, há muitos festivais que parecem não terem sido feitos por ninguém, embora certamente contem com a colaboração de várias pessoas.

— Há portanto alguma vantagem em ser menor...

— Sim, nós ainda sorrimos.

— Mas talvez não haja nisso mérito algum, apenas uma necessidade.

— O que, em si, cria uma comunidade ínfima, minúscula.

— Ou ainda a amizade, os bons encontros...

— Uma comunidade sem importância nenhuma, a nossa comunidade.

— Que se realiza há dez anos. Consegue imaginar um outro mundo assim?

— Não é questão de imaginar. Mas de ver.

— Ninguém vê a nossa fogueira.

— Pouco importa, vamos fazê-la.

— Há mais fogueiras do que estrelas.

— Ver é também uma questão de crença, amigo. Imaginar, de imagens... Vê esta fraternidade entre o documentário e a ficção?

— Jogue as brasas.

— Tem razão. Não vamos deixar que ela se apague.

— Tenho pois de confessar que raramente vou ao cinema e que isso não se deve apenas às más condições de visionamento dos filmes.

— Deve-se então ao quê?

— A uma pergunta que me faço: o que ainda podemos dizer antes ou depois de um filme?

— Por exemplo: que queremos assisti-lo com a mesma alegria com que se encontra um amigo.

— Eu e você?

— Olha para o simples pretexto da sua felicidade: não te parece que ainda estamos todos aqui, antes e depois de um filme?

— Passemos.


Diálogo:
Daniel Ribeiro, Oswaldo Teixeira

Belo-Horizonte/Lisboa,
29 e 30 de out. de 2006

Montado com excertos (deslocados) de:
Abbas Kiarostami, Cacique Rubiaçu, Cesare Pavese, Cristina Marti,
Forugh Farrokhzad, Jean-Luc Godard, Jean Rouch, Rui Chafes, São Paulo.