uma comunidade menor
O vento está prestes a encontrar-se com as folhas das árvores.
Paradas ali, duas pessoas aguardam o movimento.
— Fazer um festival não é fazer um filme.
— Certamente mobiliza outros esforços, outros afetos...
— Mas todos numa mesma direção. Os filmes são feitos para nos mostrar o mundo. Os festivais, para nos mostrar os filmes.
— É tudo cinema!
— O que chamamos, nós, de cinema?
— Tomado ao pé da letra é uma imagem do mundo em que vivemos. Se eu te mostro o ABC da greve, por exemplo, você diz: é o Lula.
— Então tomemos o cinema ao pé da letra e digamos: as pessoas dormem de noite; o cinema é o único lugar em que se dorme de olhos abertos, no escuro.
— Então o cinema é o sonho.
— Mas não um sonho particular, menos ainda um sonho privado. Há aí algo de coletivo.
— A tal ponto que quem entra junto no cinema é tocado por esse estranho poder de fazer o mundo dormir.
— Para nele estar ainda mais acordado.
— É esta, pois, a função de um festival: fazer com que os filmes adormeçam o mundo.
— Mas não sejamos tão rápidos. Não falo apenas de uma reunião de filmes, mas de uma comunhão de desejos.
— E então do fato de que não é um festival feito por mera simpatia política ou estética, mas o resultado de longas (quase intermináveis) discussões políticas e estéticas.
— Precisamente o que falta à televisão, não te parece?
— É possível ainda que nela não falte nada... Mas, ao contrário, haja mesmo um excesso. Excesso de profissionalismo, triste até, que priva aqueles que a realizam de seus desejos.
— O que quero dizer é isso: há imagens, há filmes, há muitos festivais que parecem não terem sido feitos por ninguém, embora certamente contem com a colaboração de várias pessoas.
— Há portanto alguma vantagem em ser menor...
— Sim, nós ainda sorrimos.
— Mas talvez não haja nisso mérito algum, apenas uma necessidade.
— O que, em si, cria uma comunidade ínfima, minúscula.
— Ou ainda a amizade, os bons encontros...
— Uma comunidade sem importância nenhuma, a nossa comunidade.
— Que se realiza há dez anos. Consegue imaginar um outro mundo assim?
— Não é questão de imaginar. Mas de ver.
— Ninguém vê a nossa fogueira.
— Pouco importa, vamos fazê-la.
— Há mais fogueiras do que estrelas.
— Ver é também uma questão de crença, amigo. Imaginar, de imagens... Vê esta fraternidade entre o documentário e a ficção?
— Jogue as brasas.
— Tem razão. Não vamos deixar que ela se apague.
— Tenho pois de confessar que raramente vou ao cinema e que isso não se deve apenas às más condições de visionamento dos filmes.
— Deve-se então ao quê?
— A uma pergunta que me faço: o que ainda podemos dizer antes ou depois de um filme?
— Por exemplo: que queremos assisti-lo com a mesma alegria com que se encontra um amigo.
— Eu e você?
— Olha para o simples pretexto da sua felicidade: não te parece que ainda estamos todos aqui, antes e depois de um filme?
— Passemos.
Paradas ali, duas pessoas aguardam o movimento.
— Fazer um festival não é fazer um filme.
— Certamente mobiliza outros esforços, outros afetos...
— Mas todos numa mesma direção. Os filmes são feitos para nos mostrar o mundo. Os festivais, para nos mostrar os filmes.
— É tudo cinema!
— O que chamamos, nós, de cinema?
— Tomado ao pé da letra é uma imagem do mundo em que vivemos. Se eu te mostro o ABC da greve, por exemplo, você diz: é o Lula.
— Então tomemos o cinema ao pé da letra e digamos: as pessoas dormem de noite; o cinema é o único lugar em que se dorme de olhos abertos, no escuro.
— Então o cinema é o sonho.
— Mas não um sonho particular, menos ainda um sonho privado. Há aí algo de coletivo.
— A tal ponto que quem entra junto no cinema é tocado por esse estranho poder de fazer o mundo dormir.
— Para nele estar ainda mais acordado.
— É esta, pois, a função de um festival: fazer com que os filmes adormeçam o mundo.
— Mas não sejamos tão rápidos. Não falo apenas de uma reunião de filmes, mas de uma comunhão de desejos.
— E então do fato de que não é um festival feito por mera simpatia política ou estética, mas o resultado de longas (quase intermináveis) discussões políticas e estéticas.
— Precisamente o que falta à televisão, não te parece?
— É possível ainda que nela não falte nada... Mas, ao contrário, haja mesmo um excesso. Excesso de profissionalismo, triste até, que priva aqueles que a realizam de seus desejos.
— O que quero dizer é isso: há imagens, há filmes, há muitos festivais que parecem não terem sido feitos por ninguém, embora certamente contem com a colaboração de várias pessoas.
— Há portanto alguma vantagem em ser menor...
— Sim, nós ainda sorrimos.
— Mas talvez não haja nisso mérito algum, apenas uma necessidade.
— O que, em si, cria uma comunidade ínfima, minúscula.
— Ou ainda a amizade, os bons encontros...
— Uma comunidade sem importância nenhuma, a nossa comunidade.
— Que se realiza há dez anos. Consegue imaginar um outro mundo assim?
— Não é questão de imaginar. Mas de ver.
— Ninguém vê a nossa fogueira.
— Pouco importa, vamos fazê-la.
— Há mais fogueiras do que estrelas.
— Ver é também uma questão de crença, amigo. Imaginar, de imagens... Vê esta fraternidade entre o documentário e a ficção?
— Jogue as brasas.
— Tem razão. Não vamos deixar que ela se apague.
— Tenho pois de confessar que raramente vou ao cinema e que isso não se deve apenas às más condições de visionamento dos filmes.
— Deve-se então ao quê?
— A uma pergunta que me faço: o que ainda podemos dizer antes ou depois de um filme?
— Por exemplo: que queremos assisti-lo com a mesma alegria com que se encontra um amigo.
— Eu e você?
— Olha para o simples pretexto da sua felicidade: não te parece que ainda estamos todos aqui, antes e depois de um filme?
— Passemos.
Diálogo:
Daniel Ribeiro, Oswaldo Teixeira
Belo-Horizonte/Lisboa,
29 e 30 de out. de 2006
Montado com excertos (deslocados) de:
Abbas Kiarostami, Cacique Rubiaçu, Cesare Pavese, Cristina Marti,
Forugh Farrokhzad, Jean-Luc Godard, Jean Rouch, Rui Chafes, São Paulo.
Daniel Ribeiro, Oswaldo Teixeira
Belo-Horizonte/Lisboa,
29 e 30 de out. de 2006
Montado com excertos (deslocados) de:
Abbas Kiarostami, Cacique Rubiaçu, Cesare Pavese, Cristina Marti,
Forugh Farrokhzad, Jean-Luc Godard, Jean Rouch, Rui Chafes, São Paulo.
2 comentários:
daniel ribão, schifaizfavoire
esteja dito.
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