A morte espelhada no sonho
Essa é uma daquelas imagens impossíveis de esquecer. Jean Seberg em Acossado, anunciando no meio de um boulevard de Paris o The New York Herald Tribune. Como não se apaixonar à primeira vista? Como não reviver «a emoção de já ter amado»? Como não se deixar seduzir até o esquecimento? Como oferecer uma qualquer resistência a entrar neste sonho? Numa já distante aula de cinema alguém advertia sobre o perigo de deixar-se capturar pelo sonho de outrem. (Mas os cortes sucessivos no mesmo plano não seriam também uma forma cinematográfica de nos advertir sobre este mesmo perigo?).
Esta imagem inesquecível, se não me engano, aparece em Os sonhadores (The dreamers, 2003), de Bernardo Bertolucci. Imagino que ele devia estar querendo fazer uma homenagem a uma época em que o cinema ainda se permitia sonhar com uma revolução. Possibilidade, aliás, que seu filme praticamente nega. É Philippe Garrel, que uma vez também já sonhou com Jean Seberg, quem efetivamente faz, em Os amantes constantes (Les amants réguliers, 2005), a mais bonita homenagem ao cinema, à revolução e ao amor. Um filme longo, com planos não menos longos, e no qual, como comentou uma amiga, não há nenhuma cena de sexo, nem mesmo um beijo na boca. Pois eu nem tinha percebido isso, é uma coisa que no filme não faz falta. E não faz mesmo. Mas de repente este comentário, em contraste com o filme de Bertolucci, me fez ver claramente esta postura política (sem dúvida menor, mas nem por isso menos importante): escolher não mostrar aquilo que já estamos cansados de ver e carecas de saber num mundo em que tudo é imediatamente visível, beirando mesmo a pornografia. Às vezes esses gestos - que revelam mais do que um mero descontentamento, mas uma efetiva resistência à política dominante - nos aparecem sob as formas mais imperceptíveis...
... Ainda bem que ainda temos por perto quem nos faça atentar para esses detalhes.
« Conheci a Jean, uma atriz de cinema que já não atuava em filmes.
Ela matou-se.
Apareceu-me num sonho uma mulher com o rosto como o da Jean.
Tal como em Spirite de Théophile Gautier, a suicida aparece ao jovem no espelho, e arrasta-o para a morte; a Jean chamava-me para o outro mundo...
Mas a história teve lugar na vida real assim:
Nesse dia eu estava no meu quarto, a fumar haxixe com toda a precisão que o hábito nos dá.
O sol de invernno desaparecia por trás das cortinas. Adormeci a meio da noite e chorei na almofada.
("Estou cansado... cansado..., pensei eu, da minha vida de solitário.") Mas a emoção de já ter amado e a beleza da minha vida, que eu acreditava ser única, fizeram com que me viesse outras lágrimas aos olhos e eu acabei por voltar a adormecer. »
Esta imagem inesquecível, se não me engano, aparece em Os sonhadores (The dreamers, 2003), de Bernardo Bertolucci. Imagino que ele devia estar querendo fazer uma homenagem a uma época em que o cinema ainda se permitia sonhar com uma revolução. Possibilidade, aliás, que seu filme praticamente nega. É Philippe Garrel, que uma vez também já sonhou com Jean Seberg, quem efetivamente faz, em Os amantes constantes (Les amants réguliers, 2005), a mais bonita homenagem ao cinema, à revolução e ao amor. Um filme longo, com planos não menos longos, e no qual, como comentou uma amiga, não há nenhuma cena de sexo, nem mesmo um beijo na boca. Pois eu nem tinha percebido isso, é uma coisa que no filme não faz falta. E não faz mesmo. Mas de repente este comentário, em contraste com o filme de Bertolucci, me fez ver claramente esta postura política (sem dúvida menor, mas nem por isso menos importante): escolher não mostrar aquilo que já estamos cansados de ver e carecas de saber num mundo em que tudo é imediatamente visível, beirando mesmo a pornografia. Às vezes esses gestos - que revelam mais do que um mero descontentamento, mas uma efetiva resistência à política dominante - nos aparecem sob as formas mais imperceptíveis...
... Ainda bem que ainda temos por perto quem nos faça atentar para esses detalhes.
***
« Conheci a Jean, uma atriz de cinema que já não atuava em filmes.
Ela matou-se.
Apareceu-me num sonho uma mulher com o rosto como o da Jean.
Tal como em Spirite de Théophile Gautier, a suicida aparece ao jovem no espelho, e arrasta-o para a morte; a Jean chamava-me para o outro mundo...
Mas a história teve lugar na vida real assim:
Nesse dia eu estava no meu quarto, a fumar haxixe com toda a precisão que o hábito nos dá.
O sol de invernno desaparecia por trás das cortinas. Adormeci a meio da noite e chorei na almofada.
("Estou cansado... cansado..., pensei eu, da minha vida de solitário.") Mas a emoção de já ter amado e a beleza da minha vida, que eu acreditava ser única, fizeram com que me viesse outras lágrimas aos olhos e eu acabei por voltar a adormecer. »
Philippe Garrel, Journal d'un cinéaste (1984).
0 comentários:
Postar um comentário
voltar