6.3.07

This fire that must always be in the shot

(...) It takes a lot of patience, sweat, blood, tears and fatigue to begin to represent something that is close to life. Look at Bresson, for example. He shows our world, and at the same time it appears strange, this world. It's odd how people move in Bresson's films. They walk strangely, their gestures are very fast or very slow. That's the work. It's our world, and at the same time it's very abstract. Cinema is not exactly life. It works with the ingredients of life and you organise, construct these ingredients in a manner different from life. We're going to see them in a different light. It's not life, but at the same time, it's made using the elements of life, which is something very mysterious and sometimes quite beautiful. A director would have to live in tension all the time, but it's complicated because we can't. Films should be tight, but directors are only human. We can't be tense all the time, because we would have to be listening to everything, seeing everything, all the time. To begin to see what's happening, to condense it, we must see everything. As Cézanne says, we must see the fire that's hidden in a person or in a landscape. We must strive for what Jean-Marie Straub describes: if there's no fire in the shot, if there's nothing burning in your shot, then it's worthless. Somewhere in the shot, something must be on fire. This fire that must always be in the shot, it's the love letter in the bank. Very few people are going to see this love letter in the bank, and still fewer are going to write a love letter in a bank. So, to finish with the metaphor, I would say that my work as a director, your work as students, future directors – it's in this bank, here. Your work is to continue trying to write love letters, and not cheques. Sometimes people don't notice your work, of course. Well, we resist and we keep going to the bank to write love letters.

5.3.07

Vida menor

A fuga do real,
ainda mais longe a fuga do feérico,
mais longe de tudo, a fuga de si mesmo,
a fuga da fuga, o exílio
sem água e palavra, a perda
voluntária de amor e memória,
o eco
já não correspondendo ao apelo, e este fundindo-se,
a mão tornando-se enorme e desaparecendo
desfigurada, todos os gestos afinal impossíveis,
senão inúteis,
a desnecessidade do canto, a limpeza
da cor, nem braço a mover-se nem unha crescendo.
Não a morte, contudo.
Mas a vida: captada em sua forma irredutível,
já sem ornato ou comentário melódico,
vida a que aspiramos como paz no cansaço
(não a morte),
vida mínima, essencial; um início; um sono;
menos que terra, sem calor; sem ciência nem ironia;
o que se possa desejar de menos cruel: vida
em que o ar, não respirado, mas me envolva;
nenhum gasto de tecidos; ausência deles;
confusão entre manhã e tarde, já sem dor,
porque o tempo não mais se divide em seções, o tempo
elidido, domado.
Não o morto nem o eterno ou o divino,
apenas o vivo, o pequenino, calado, indiferente
e solitário vivo.
Isso eu procuro.

Carlos Drummond de Andrade

2.2.07

Um pedaço de ferro num pedaço de carne

Uma guerra como a do Iraque, assistida apenas pela televisão, produz os mais perversos efeitos sobre o pensamento humano. Embora a guerra nos seja comunicada todo dia, inclusive de forma ilustrada, dela sabemos muito pouco, quase nada.

Sabemos que os alvos são “apenas” militares. Mas não sabemos o que são alvos militares. Alvos militares são: estradas, pontes, fábricas, linhas de trem, portos, aeroportos, hidrelétricas, linhas telefônicas, refinarias de petróleo. O objetivo militar é, portanto, destruir tudo o que possibilita a construção de uma existência comum entre os homens.

Como nos esquecer, por exemplo, que foi ali, entre o Tigres e o Eufrates, que o ser-humano pela primeira vez começou a escrever? Simples, “informe-nos diariamente sobre a guerra, que nos esqueceremos disto”.

Pois um outro importantíssimo alvo militar, que os meios de comunicação nos esquecem de contar, são os próprios meios de comunicação. Escuta.

Eis no que se transformou uma emissora de rádio iraquiana depois que foi invadida pelo exército americano. Talvez a locutora nem tenha sido estuprada, mas é como se tivesse sido.

10.1.07

Espetacularização: «especulação que é apenas uma exaltação do instante».
... a dica é de Rossellini.

Aproximações acerca do povo por vir

« À excessão da capacidade de ganhar dinheiro, de que não precisava, via em si próprio com incrível nitidez todas as capacidades e qualidades que seu tempo prestigiava. Mas a capacidade de aplicá-las perdera-se; e como, finalmente, agora que jogadores de futebol e cavalos de corrida têm gênio, apenas o uso que dele se fizer nos resta para salvarmos nossa singularidade, decidiu tirar um ano de férias da sua vida, e procurar uma adequação adequada para suas capacidades. »

“Um cavalo de corrida genial faz amadurecer em Ulrich a idéia de ser um homem sem
qualidades”, Capítulo 13 do Livro 1 de O homem sem qualidades, de Robert Musil
.

Por aqui, homens sem caracteres, Glauber e Brizola,

conversam na TV, num programa Abertura, em 1979.


— Brizola, você que é tão conhecido aqui em Botafogo e sabe de mil jogadas, já ouviu falar de Leonel Brizola?

— Já ouvi falar muito e meu apelido é Brizola.

— O que você acha do Brizola?

— Acho legal e que vai ser um bom presidente pra gente.

— Você acha que ele vai ser um bom presidente?

— Acho que vai.

— Você tem acompanhado os jornais?

— Tenho sim.

— Você acha que o Brizola deve voltar para o Brasil ou não?

— Deve voltar.

— Você acha que representa o povo brasileiro, sua opinião é válida?

— Espero que o pessoal não fique preocupado comigo porque meu nome é Brizola.

— Você está diante da televisão brasileira, encare o público, fale alto, se assuma. O que você acha dos problemas brasileiros?

— Eu não estou ligando muito pra isso.

— E você está se ocupando de quê, atualmente?

— Eu ligo muito pra corrida de cavalo.

— Qual é o bicho que vai dar amanhã?

— Cobra ou cavalo.

— E você já acertou muito assim?

— De vez em quando eu acerto.

— O que você acha do futuro democrático do Brasil?

— O problema é que eu não sei nada disso.

— O que você acha da organização sindical?

— No momento não posso explicar nada.

— Já ouviu falar no Lula?

— Lula? É o chefe dos metalúrgicos (…)

21.12.06

Une biopolitique mineure
entretien avec Giorgio Agamben
réalisé par Stany Grelet & Mathieu Potte-Bonneville

19.12.06

neoSURrealismo

Contra-voz em repente entre este que vos fala e Glauber Rocha.

— Perdóneme la pretensión, pero trato de hacer una estructura épica al estilo de Octubre, con mucha fuerza poética y emoción revolucionária. Creo que una cinta política debe ser también un estímulo cultural y artístico. Y, para nosotros, latinos, que somos colonizados cultural y económicamente, nuestro cine debe ser revolucionario desde el punto de vista político y poético, o sea, tenemos que presentar IDEAS NUEVAS CON UN LENGUAJE NUEVO. América Nuestra no pretende ser una cinta DIDÁCTICA, pero sí una MANIFESTACIÓN, UNA PELÍCULA DE AGITACIÓN, UN DISCURSO VIOLENTO y también prueba de que en el terreno de la cultura el hombre latino, libre de la explotación colonialista, es capaz de crear.

— Estoy platicando con Glauber a respecho del cine y estas cosas, como la poesia y la política etc. Y yo soy simpatico a sus ideas pero ni siempre concordamos; platicamos, es la palabra. Otro dia hicimos un repente, que, como sabes, es una espécie de poesia improvisada que hacén los poetas populares del noreste del Brasil al sonido de una melodia. Ésta quien hizo fue Villa-Lobos: es el segundo movimento del quarteto numero 5, vivo y enérgico - para el orixá guerreiro?

Mote:

O negócio é o seguinte:
como fazer cinema
num país onde, como diz Bolívar,
o povo sempre avizinha a linha invisível
que separa a fome da morte passiva?

Será preciso ainda muita morte e vida
e muita pedra no caminho
ou, como Guevara quis um dia,
não a romântica aventura
mas a epopéia didática
de lutar contra os moinhos?

Glosa:

Daí o problema
que entrelaça a poesia e o real:

Nosso retardamento romântico
e o fato de ainda não termos começado a pensar
nos levam a um troca-passo contínuo,
cujo resultado é um neo-surrealismo.
Eis a tônica estilística da fábula.

Fábula que os poetas anunciam
num tom tal que atravessa o tempo
— tal tom é a poesia —:
que seja uma incessante novidade,
como, aliás, a Terra em que habitas:
uma guerra atemporal pela vida,
portanto não sem um aqui e um agora
— expor-se ao fora —;
uma guerra sem batalhas
mas não sem mortes nem sem falhas:
fazer o combate em si,
encontrar-se sem cessar em guerrilha.

Ó Senhor, Senhores, meus Senhores!

Não sois somente Vós os detentores
da verdade e da consciência humanas.
Em todas as revoluções há
os Generais,
os Poetas
e os Políticos.
Há também os crápulas e os moralistas;
os heróis de todas as horas
e os tiranos dos últimos momentos.
Vós defendeis uma causa pela qual
milhões de homens morreram e continuam morendo
em todas as partes do mundo.
Mas vós esqueceis que esta causa
ainda não tem todas as suas leis definidas
e que a essência desta causa repousa
nas suas próprias contradições:
e são essas contradições que a movem.
Eu posso ser uma dessas contradições superadas.
Admito mesmo a minha morte.
Matem-me.
Mas não pensem que sobre uma sangrenta intolerância
se pode construir um verdadeiro humanismo.
Por isso matem-me,
mas secretamente,
como se mata um bandido.
Matem-me porque eu duvidarei sempre da verdade.

Mas que não seja apenas morte em série a vossa oferta covarde
Quero morrer no chão,
valendo, valente,
de morte humana,
real,
sofrida,
lenta como o tempo de uma vida.
Não vos peço a paz, tampouco apoio a vossa guerra,
mas deixai-me lutar a minha – ela é contra-voz –
e aos outros, ora, as suas…
Ó Senhor, ó Senhores,
não podeis me oferecer cosolo algum.
Não com a fome ou com os sonhos que me impões.
Nem com a saúde e as saudades que me tiras.
Mas não pense que ao vivê-las, com elas não aprenda:
O estômago digere e ensina,
enquanto o sonho se despedaça no real comum,
essa minha exígua vida
difere do que não li, que nem sei ler,
é longa a espera, eu amei:
a invenção de um povo,
morrer de morte em vida
e ser noite ao vir de novo.

18.12.06

Território ocupado




A war may begin following an official declaration of war in the case of international war, although this has not always been observed either historically or currently. A declaration of war is not normally made in internal wars.

13.12.06

Cinema Português



« Quando cheguei a Cabo Verde, as pessoas fizeram-me aproximar delas e esse lado acabou por ficar mais no filme do que o lado da ficção. Descobri em Cabo Verde uma nobreza e uma generosidade que eu acho que nos últimos anos tem faltado a Portugal, não só no cinema mas em todas as áreas, devido a este poder miserável que temos, que não sabe ver nada e é ignorantíssimo. Estou desgostado de Portugal, não gosto dos sentimentos dos portugueses hoje em dia. E havia também um lado político da minha aproximação a Cabo Verde; por isso se fala no Tarrafal, que foi o primeiro campo de concentração do mundo. »

Pedro Costa,
em entrevista a Nuno Henrique Luz,
Diário de Notícias, 22/5/1994.

12.12.06

John Cassavetes

«Os personagens não devem vir da história ou da intriga; a história é que deve ser secretada pelos personagens.»

Essa é uma maneira como John Cassavetes tenta nos dar uma aproximação daquilo que é o seu método de trabalho.

Uma outra maneira de se aproximar desse segredo é assistindo Husbands, 1970.



E a diferença de assistir um filme, este filme, numa sala de cinema, e ainda por cima cheia, é que, por exemplo, às vezes a gente ri de coisas que, sozinhos, não riríamos. Quer dizer, começamos a enxergar de maneira diferente, nem que apenas um pouco. É um dos efeitos visíveis de um sonho coletivo. Um outro, quase consequência deste, seria uma espécie de retorno (mas agora, do ponto de vista do espectador) ao método que nos tornou essa idéia sensível: não mais pessoas sujeitadas pela História, mas apenas uma história secretada - em riso, em lágrimas, ou de uma qualquer outra maneira intensa - por essas pessoas.

«Essas pessoas têm um sonho, querem outra coisa da vida, e, às vezes, semtem-se perdidas, porque esses seus desejos não se concretizam. Então, encontram-se numa situação curiosa em que deixam de se comportar da mesma forma que os demais (...) Eu amo quando um personagem se encontra numa situação sem se dar conta do que vai fazer. Eu acredito que todos nós agimos desse modo.»
Gena Rowlands

«O cinema não conta para mim, as pessoas sim.»
John Cassavetes

«John Cassavetes era um grande diretor. Não posso me igualar a ele no cinema. Para mim ele representa um certo cinema que é bem superior.»
Jean-Luc Godard
The Guardian, 25 de abril de 2005


«E ainda mais, tanto na Índia como na URSS, tanto nos EUA como na Europa, já surgem jovens filmando com métodos opostos à indústria. Isso significa, sem alternativa, uma passagem do cinema como objeto de troca e de venda para a condição de objeto cultural ou artístico, realizado sem impedimentos. Passa o filme a ser produto do autor: e por isso mesmo cresce de importância e faz nascer uma esperança de que esta expressão febril do século não morrerá tão cedo, como se previa. Justamente na hora do cinema e de outras invencionices, surge um filme como Shadows, deJohn Cassavetes, fotografado primitivamente, livre das convenções. A indústria estabeleceu cânones técnicos que mais tarde se transformaram em contrafações estéticas: rosto iluminado, fotografia limpa, fusões perfeitas, sincronização matemática, travellings geométricos e macios. Tais preconceitos encarecem uma produção. Desde Rossellini que muitos destes princípios estão caindo. Procurano alienar o espectador, o americano criou as bases do opiário que os povos seguiram indistintamente. Mas acontece que o cinema de hoje não pode ser um mundo de mecânica visual e sonora que envolva apenas pela emoção. Tem de adotar uma posição de afastamento - precisa ser realidade fílmica que proponha um diálogo lúcido com o público sem usar o menor artifício. Nisto, inclusive, para países subdesenvolvidos como o nosso - e para toda a América Latina ou para o continente africano - o cinema tem de ser antes um instrumento político - não uma máquina panfletária que argumente em termos de certa demagogia esquerdista profissional - mas uma forma de dialogar com o homem colonial e sua injustificável existência.»
Glauber Rocha
Suplemento Dominical, 16 de setembro de 1961


trechos retirados deste catálogo editado pelo CCBB,
por ocasião da mostra John Cassavetes.

p.s.: Alguns personagens dessa conversa também secretam juntos a(s) História(s) do cinema, no episódio 1B (1'45''- 1'57'').