Poder-se-ia falar da solidão de uma casa?
« No que você chama de "modos de existência", e que Foucault chama de "estilos de vida", há uma estética da vida; você o lembrou: a vida como obra de arte. Mas também uma ética! ».
Didier Eribon (racorda com isso).
Didier Eribon (racorda com isso).
Uma casa é uma casa. Não é uma noção, não é um conceito, não é uma metáfora. É uma casa apenas. É feita para que nela as pessoas habitem. Mas - e sem que isso diminua ou aumente a sua dor - pode ser que a casa esteja vazia, vivendo as intensidades deste intervalo da espera, entre um e outro habitante. Poder-se-ia falar da solidão de uma casa?
Todo gesto, qualquer um, revela sempre uma necessidade mas nem sempre uma vontade. Lembro apenas de um, o movimento involuntário do olho no momento em que se sonha. (E não seria assim tão descabido dizer que temos necessidade dos sonhos, ou seria? Embora nem sempre os desejemos...). Quando criança, por exemplo, lembro-me de um sonho recorrente: a imagem da Terra desabitada depois de uma guerra nuclear. Era a imagem oferecida por um programa de TV (o "Fantástico"?) que habitava este meu pesadelo. Acordava quase sempre bastante desesperado. Pode-se mesmo dizer que eu tivesse necessidade desse pesadelo/desespero, mas não exatamente vontade. Era um acontecimento, digamos, involuntário, que certamente acelerava meus olhos aos olhos de que me visse dormindo.
Certa vez Michaux disse que «o mal é o ritmo dos outros». O que pensar, então (se tivéssemos coragem suficiente para imaginar tal pesadelo!), de um ritmo audiovisual hegemônico? Penso ainda na televisão... Que sempre se transforma, é verdade. Mas transforma-se - e talvez esteja aí o segredo do poder - imediatamente, hegemonicamente. Como se - e aí talvez sua estratégia - não nos deixasse opções para escapar desse seu ritmo.
Mas o artista escapa. É este o seu trabalho, o seu modo de vida, seu jeito singular de existir. (E será por isso que alguns nos falam da «vida como obra de arte»?). O gesto artístico, como qualquer gesto, é uma necessidade, nem sempre uma vontade. A vontade do artista, isso que o diferencia, talvez seja apenas: mostrar ao outro os seus gestos. É por isso aliás que a arte está, em qualquer definição das afecções, bem ao lado da generosidade.
(As novas vozes apenas começam a ser escutadas... São sem dúvida menores, mas o são «sem abrandar...» Sem abrandar.)
Um artista é, portanto, um artista. Não é um sonhador. Ele não sonha o sonho que quer, mas o sonho necessário. Ele percebe o pesadelo no qual eventualmente vive, mas por estar só, suporta-o acordado. Quer dizer, realiza a sua necessidade. Seria esta uma definição biológica da vida? Talvez. Mas ainda não uma boa definição para o artista. Pois além de suportar, o artista o expõe. Participa dele à sua maneira. Narrando-nos as histórias dos nossos dias. E por «nossos» entendo: os que passaram, os que hão-de-vir. Nós, uma comunidade. O artista seria então aquele que, acordado, quer acordar ainda mais. Mas o que é acordar mais?
Um artista é um artista. Não é um pedreiro nem um corretor de imóveis. Embora às vezes também erga uma casa ou esteja lá apenas para nos fazer vê-la: aluga-se - como qualquer trabalhador o seu tempo. Mas situa-se na soleira. Sempre pronto a escapar.
Quem escuta o seu sim?
(Para Fernanda Goulart e Cristina Marti).
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