Montagem #02
... e este nosso abandono é apenas assim...
voz:
O Irreparável é o fotograma que a sua escrita imprime sobre as coisas.
outra voz:
Não me ocorre mais nada; vejo apenas um par de luvas abandonadas e aborrecidas na beira da mesa.
voz:
Irreparável significa que elas são entregues sem remédio ao seu ser-assim, que elas são, pois, precisamente e apenas o seu assim (nada é mais estranho a você do que a pretensão de ser diferente daquilo que se é);
outras vozes:
Para mim é evidente como estas luvas estão tristes e cansadas. Será que já não servem a ninguém, é por isso que estão para ali penduradas como as folhas no Outono? São amarelas, debruadas a pele castanha escura. Compridas e estreitas. Como ficam tristes as luvas quando não aconchegam uma mão bonita. Eis que chega uma rapariguinha, uma criança, quer experimentá-las mas não lhe servem: as suas mãozinhas são demasiado pequenas, os dedinhos demasiado curtos. Agora aproxima-se uma mulher robusta, mas a sua mão é muito gorda e os dedos muito grandes. Depois surge uma actriz e experimenta-as mas as luvas decididamente não servem. É demasiado elegante: ajustam-se no comprimento mas, quanto ao resto, a mão é demasiado voluptuosa. As luvas gemem pelas costuras. Chega então uma mulher alta, linda e com ar triste e a ela as luvas servem. Mãos compridas, mãos esguias, sofredoras, mãos esbeltas, as luvas servem-vos! As luvas alegres e radiantes mas a mulher, coitada, tão infeliz!
silêncio:
mas significa também que, para elas, não existe literalmente nenhum refúgio possível, que, no seu ser-assim, estão agora absolutamente expostas, absolutamente abandonadas.
voz: Giorgio Agamben, A comunidade que vem, (dublado por António Guerreiro);
outra voz: Robert Walser, As luvas, dublado (por Cristina Marti)
a partir da versão inglesa de Susan Bernofsky;
esta voz: Ghérasim Luca;
imagem: sapatos de Van Gogh sobre parede de Fort Breendonk.
voz:
O Irreparável é o fotograma que a sua escrita imprime sobre as coisas.
outra voz:
voz:
Irreparável significa que elas são entregues sem remédio ao seu ser-assim, que elas são, pois, precisamente e apenas o seu assim (nada é mais estranho a você do que a pretensão de ser diferente daquilo que se é);
outras vozes:
Para mim é evidente como estas luvas estão tristes e cansadas. Será que já não servem a ninguém, é por isso que estão para ali penduradas como as folhas no Outono? São amarelas, debruadas a pele castanha escura. Compridas e estreitas. Como ficam tristes as luvas quando não aconchegam uma mão bonita. Eis que chega uma rapariguinha, uma criança, quer experimentá-las mas não lhe servem: as suas mãozinhas são demasiado pequenas, os dedinhos demasiado curtos. Agora aproxima-se uma mulher robusta, mas a sua mão é muito gorda e os dedos muito grandes. Depois surge uma actriz e experimenta-as mas as luvas decididamente não servem. É demasiado elegante: ajustam-se no comprimento mas, quanto ao resto, a mão é demasiado voluptuosa. As luvas gemem pelas costuras. Chega então uma mulher alta, linda e com ar triste e a ela as luvas servem. Mãos compridas, mãos esguias, sofredoras, mãos esbeltas, as luvas servem-vos! As luvas alegres e radiantes mas a mulher, coitada, tão infeliz!
silêncio:
a partir da versão inglesa de Susan Bernofsky;
1 comentários:
eu escutei...
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