Indo-me eu por aí abaixo
Na história do cinema há sempre aqueles cineastas sobre quem a gente ouve falar ou eventualmente até lê uma coisa ou outra a respeito, mas cujos filmes são raríssimos e quase impossíveis de ver. É o caso de António Reis e Margarida Cordeiro, um casal de cineastas portugueses que realizou apenas quatro filmes. Três dos quais, no Nordeste de Portugal, na região de Trás-os-Montes.
Nunca vi esses filmes, mas há um belíssimo blog inteiramente dedicado à sua obra. Feito por um outro António, o Neves. Vale a pena uma navegação mais demorada e cuidadosa. É aí que passo o tempo enquanto não chega o dia de ver os sons e as imagens que, agora, tanto desejo. Inclusive, foi de lá que retirei a foto com este curioso travelling em bicicleta, ao qual dei o nome de «Indo-me eu por aí abaixo»*; e este trecho de uma entrevista com os dois cineastas.
« Margarida Cordeiro:
A propósito de «Rosa de Areia»: é um filme para quem pode ainda ver e ouvir como que pela primeira vez; como se fosse o primeiro filme surgido na terra e falando sobre ela.
Houve a luta com as formas, muito tempo antes de serem filmadas; o filme «mental» mudou vezes sem conta, mesmo após ter sido sujeito à escrita prévia da(s) découpage(s). Filmadas, as formas revelaram-se muito belas, estranhas, hostis ou mesmo incompatíveis (planos que não puderam incorporar-se na montagem). Impunham-se, rejeitavam-se, atraíam-se, estavam vivas.
Finalmente, «Rosa de Areia» estava ali, contra mim (fazendo parte de mim), no escuro das salas, palimpsesto complexo e fugitivo no ecrã, jogo de luzes e sombras, de sons e de silêncio.
E a alegria muito funda e grave durante todo este longo e inenarrável processo.
António Reis:
Eu diria que «Rosa de Areia» é, totalmente, um filme de matérias. Matérias em permanente devir: o vento natural torna-se vento de tuba, o vestido das actrizes contracena com as nuvens, a tri-dimensionalidade cai aos pés da bi-dimensionalidade, o plano-sequência é emparedado pelo fixo, a música é o silêncio e a cor modulada, a luz mais pura passa a flutuante e difusa.
O sentido do labor sobre as matérias (implicando-se e implicadas) não pode, pois, delimitar-se: é múltiplo, refaz-se constantemente e sobretudo interroga, elabora formas...
«Rosa de Areia» não passa como uma torrente: esvai-se em lenta rotação, em lenta translação, movido pela insubmissa energia das formas cinematográficas. »
Fala a verdade: você também não ficou com vontade de ver esses filmes?
* «Indo-me eu por aí abaixo...» é o nome de uma canção transmontana, que continua assim: «... a buscar os meus amores».
Nunca vi esses filmes, mas há um belíssimo blog inteiramente dedicado à sua obra. Feito por um outro António, o Neves. Vale a pena uma navegação mais demorada e cuidadosa. É aí que passo o tempo enquanto não chega o dia de ver os sons e as imagens que, agora, tanto desejo. Inclusive, foi de lá que retirei a foto com este curioso travelling em bicicleta, ao qual dei o nome de «Indo-me eu por aí abaixo»*; e este trecho de uma entrevista com os dois cineastas.
« Margarida Cordeiro:
A propósito de «Rosa de Areia»: é um filme para quem pode ainda ver e ouvir como que pela primeira vez; como se fosse o primeiro filme surgido na terra e falando sobre ela.
Houve a luta com as formas, muito tempo antes de serem filmadas; o filme «mental» mudou vezes sem conta, mesmo após ter sido sujeito à escrita prévia da(s) découpage(s). Filmadas, as formas revelaram-se muito belas, estranhas, hostis ou mesmo incompatíveis (planos que não puderam incorporar-se na montagem). Impunham-se, rejeitavam-se, atraíam-se, estavam vivas.
Finalmente, «Rosa de Areia» estava ali, contra mim (fazendo parte de mim), no escuro das salas, palimpsesto complexo e fugitivo no ecrã, jogo de luzes e sombras, de sons e de silêncio.
E a alegria muito funda e grave durante todo este longo e inenarrável processo.
António Reis:
Eu diria que «Rosa de Areia» é, totalmente, um filme de matérias. Matérias em permanente devir: o vento natural torna-se vento de tuba, o vestido das actrizes contracena com as nuvens, a tri-dimensionalidade cai aos pés da bi-dimensionalidade, o plano-sequência é emparedado pelo fixo, a música é o silêncio e a cor modulada, a luz mais pura passa a flutuante e difusa.
O sentido do labor sobre as matérias (implicando-se e implicadas) não pode, pois, delimitar-se: é múltiplo, refaz-se constantemente e sobretudo interroga, elabora formas...
«Rosa de Areia» não passa como uma torrente: esvai-se em lenta rotação, em lenta translação, movido pela insubmissa energia das formas cinematográficas. »
14 de Agosto de 1989
Fala a verdade: você também não ficou com vontade de ver esses filmes?
* «Indo-me eu por aí abaixo...» é o nome de uma canção transmontana, que continua assim: «... a buscar os meus amores».